29 de mar. de 2014

ARTE - UMA METÁFORA FEMININA.


A História da Arte e as Representações do Feminino - Parte I.
 
Richard Burlet - 1957 - Rêve.
 

A arte está ligada a vida, respira a imaginação exalando o belo. Então como não representar esta figura tão onipresente que é a mulher.

Three ages of Woman - 1905 - Gustav Klimt.
 

Este mês a mulher é festejada, lembramos suas lutas, conquistas e o caminho que ainda resta a percorrer. O que temos a comemorar? As opiniões se dividem como em qualquer tema de peso. Quanto a mim procurei desvendar o feminino que permeia a arte desde os primórdios, dar-lhe voz, pois o que é a arte sem a retratação do belo? E o que é o belo sem o feminino?
 
Sim, porque somos, todas nós mulheres, belas em nossas diferenças, nos papéis que nos cabem, em nossas andanças diárias, em nossa maternidade. Temos todas as idades e idade nenhuma, nossa beleza ora se oculta ora se desvenda por inteiro nunca deixando de nos permear. Aqui, nossas muitas faces retratadas através da arte tantas vezes captadas pelo também sensível olhar masculino, a quem minha homenagem se estende, pois o mundo é isto – duas forças - Yin e Yang - que se completam e que sozinhas brilham menos, porém juntas são capazes de iluminar tudo.
 
Sandra Biermann - Yin and Yang .
 

A figura da mulher na arte vai se desvendando como uma imagem da qual fazem parte singularidades diversas.
 
 
Blue Nude - Pablo Picasso.
 
No imaginário artístico as mulheres sempre foram um tema constante: mulheres honoráveis e mulheres infames nas sociedades egípcias e greco-romanas; “Evas” e “Marias” na iconografia religiosa e cristã; mulheres em ocupações cotidianas a partir do século XIII; mulheres simples e outras nobres;
A mulher ora simbolizada como santa, ora como musa sedutora e a diversidade de suas representações oferecem um painel significativo dos papéis simbólicos que ela representa ao longo dos tempos tal como ela se revela a cada novo período histórico. As imagens dizem muito, nos produzem, nos significam, nos sonham.

   Cléopâtre essayant des poisons sur des condamnés à mort, 1887 Huile sur toile -   Alexandre Cabanel.
 
                                  Aspasia - 1888 - Henry Holiday.
 
             Funerary Portrait Painting of a Young Woman from the Roman Period.
 
Theotokos de Vladimir, século XII.
 
 
 
Adão e Eva (1504), Albrecht Dürer.
 
 
Élisabeth Vigée – Lebrun – self portrait – 1790.
 
 
Woman Hanging Out Clothes 1917 -Robert Spencer.
 
 
August Macke - Zwei Frauen am Tisch.
 
 
 
 
La Liberté guidant le peuple - Delacroix - 1830.
 
 
Workwoman - Nicolae Tonitza.
 
 
 
Bartolome Esteban Murillo - Inmaculada - Museo del Prado.
 
 
Gustav Klimt Judith and the Head of Holofernes - 1901.
 
 
 
Pré-História:
 
 
A mulher aparecia retratada em estatuetas de pedras, ossos, madeiras e marfim com sentido místico e mágico. As Vênus são memória de um período onde a preservação da espécie estava colocada sob a responsabilidade da mulher, ressaltando as características da fertilidade da mesma, simbolizando a figura materna.
 
 
Venus von Willendorf, Naturhistorisches Museum Wien - Escultura do período Paleolítico Superior (~ 15.000 a.C)
 
 
Trata-se de uma pequena estátua (11.1 cm de altura) encontrada nas proximidades de Willendorf na Áustria, em 1908. Visivelmente retrata uma mulher prestes a dar a luz. Posteriormente, o pequeno objeto, submetido às perícias do carbono 14, um quase exato método científico que apura a idade dos achados, revelou que aquela senhora esculpida com as primitivas ferramentas de um Cellini do Paleolítico Superior datava de 24 ou 25.000 anos atrás. Não havia nela nem um só traço de beleza. Nenhuma exaltação à feminilidade ou à graça da mulher. Aquele que a modelou, talvez um xamã, um sacerdote-artista, viu-a apenas na sua função mais natural, a mais primitiva da mulher: a de gerar filhos.
 
Venus de Roumanie. Culture de Cucuteni, Néolithique, -5000, 10.4cm, terre cuite
 
 
                                 Venus of Neuchâtel (also Venus of Monruz) – Switzerland.
 
 
Arte Antiga

 
Egito


Estatueta de Isis e Hórus - Período Ptolomaico 330–30 a.C. Faiança egípcia


Uma das principais civilizações da Antigüidade foi a que se desenvolveu no Egito. Tratava-se de uma civilização já bastante complexa em sua organização social e riquíssima em suas realizações culturais.
A religião invadiu toda a vida egípcia, interpretando o universo, justificando sua organização social e política, determinando o papel de cada classe social e, conseqüentemente, orientando toda a produção artística desse povo.
Além de crer em deuses que poderiam interferir na história humana, os egípcios acreditavam também numa vida após a morte e achavam que essa vida era mais importante do que a que viviam no presente.
O fundamento ideológico da arte egípcia é a glorificação dos deuses e do rei morto divinizado, para o qual se erguiam templos funerários e túmulos grandiosos.
 
Espírito de Heuroben, prostrando-se diante do Deus Crocodilo, Sebek  -  Papiro da XXI Disnastia - Museu do Cairo.


Afresco em Tebas – Adoração.

 
A arte Egípcia surgiu há mais de 3.000 anos a.C., mas é entre 1.560 e 1.309 a.C. que a pintura Egípcia se destaca em procurar refletir os movimentos dos corpos e apresentar preocupação com a delicadeza das formas.

Afresco egípcio -  Harpista.
 
 

Os egípcios não trabalhavam com a técnica da perspectiva (imagens tridimensionais). A Lei da Frontalidade, ou frontalismo, é uma das convenções mais intrigantes da arte do antigo Egito. Essa convenção vem a refletir a maneira peculiar pela qual os egípcios antigos faziam suas representações, mais especificamente, a reprodução da figura humana. O rosto, as pernas e os pés são retratados de perfil enquanto que, simultaneamente, o tronco é visto de frente.

 

Mulheres tocando flauta, alaúde e harpa – Tumba de Nakht – Egito.
 

Numa primeira análise, julgou-se que esta forma de expressão estaria ligada à incapacidade ou ingenuidade do desenhista. De acordo com estudos posteriores, no entanto, chegou-se à conclusão de que existiriam outras razões para este fenômeno. A maneira como os egípcios representavam o ser humano na pintura valorizava o aspecto mais característico de cada elemento do corpo humano. Desenhado de perfil o rosto humano é realçado, porque de frente resume-se a uma figura oval. Representavam o olho como que visto de frente inserido no rosto pintado de perfil, por este ser seu aspecto mais característico e revelador. Para muitos povos antigos os olhos eram a "janela da alma" e eram valorizados ao máximo nas representações pictóricas.
 
Deusa Isis – Antigo Egito.
 
 
 
Nefertari – Egito.
 
 
Deusa Isis - antigo Egito.
 
 
 
                  Alto relevo - figura Rainha Cleopatra - Egito Antigo.


Juventude, corpo esbelto, traços finos e alongados e a simetria como componentes necessários eram o ideal de beleza dos antigos egípcios. Esse padrão é muito bem demonstrado no rosto da Rainha Nefertiti (literalmente "a bela chegou"), que viveu há 3.400 anos. O rosto dela personifica a beleza, o poder e o divino.



Busto de Nefertite - Acredita-se que tenha sido feito em 1345 a.C, pelo escultor Tutmés.

 


Havia dois adjetivos que eram usados pelos egípcios ​​para descreverem coisas belas, ou pessoas bonitas, estes compostos por "N” e “NFR”, normalmente são escritos como Nefer em obras egiptológicas modernas mais comuns. Então, deduz-se que o nome dado a rainha se deve a sua beleza. Na verdade, o busto real de Nefertiti, esposa de Akhenaton (fundador do Período de Amarna) era, e é considerado, um exemplo clássico da beleza feminina.

 
  An Egyptian Fellah Woman with her Baby, by Elisabeth Jerichau Baumann.
 
 
 
Mesopotâmia


Os povos mesopotâmicos são as civilizações que se desenvolveram na área das terras férteis localizadas entre os rios Tigre e Eufrates. Entre eles estão os sumérios, os assírios e os babilônios.  
A arte da Mesopotâmia se apresentava em sua quase totalidade de cunho religioso. A religião, a magia e sua prática fixavam-se na vida cotidiana com força de lei: qualquer transgressão às normas acarretaria o castigo divino.
As estátuas mais características são figuras em forma de homem ou de mulher em pé, chamadas de oradores, trajados com túnicas amplas, com as mãos postas na altura do peito, sendo o rosto a parte mais chamativa do conjunto, devido ao super dimensionamento dos olhos, normalmente elaborados com incrustações de pedra. A arte Mesopotâmica considerava os olhos a janela da alma.
 
A dama de Warka - III milênio a.C - Museu do Iraque - Bagdá.
 
                                Ishtar  - Babilônia 1800 - 1750 a.C.
Ishtar, na babilônia, deusa que representa a força da vida e da luz foi reverenciada como deusa da sexualidade e da fecundidade.
 
Deusa Serpente (aproximadamente V milênio a.C.).
 
Deusa com cabeça de cobra amamentando o seu filho. Seu triângulo pubiano demarcado denota sua função como regeneradora. Pertence a cultura mesopotâmica de Ur, é de terracota e mede 14 centímetros de altura.
 
 
 Estátuas oradoras do Templo de Abu, c. 2700-2500 a.C. (III milénio a.C.) - Tell Asmar, Iraque - Calcário, alabastro e gesso.
 
 
 Persas:
No Irã atual, as mulheres são obrigadas a vestir-se modestamente, mantendo os cabelos cobertos e usando roupas compridas e largas para ocultar a forma do corpo, porém isto não foi sempre assim, na antiga Pérsia, tanto homens quanto mulheres se adornavam com requinte e elegância.
 
 
Persian Woman gathering around a Samovar – 19 century.

 

As informações que nos chegam sobre a mulher na antiga Pérsia provinham de autores gregos como Heródoto, porém os fatos se distorcem pelo próprio conceito que os gregos tinham em relação à mulher.
Lendo essas fontes temos a impressão de podermos vislumbrar a mulher persa envolta em véus, misteriosa, oculta, praticamente sequestrada e relegada a um papel secundário na sociedade. Porém, após a descoberta dos Manuscritos de Persépolis (Persepolis Fortification Tablets), datados de 509-494 a.C., em 1933, pela expedição arqueológica do  Oriental Institute da universidade de Chicago, a cargo de Ernst Herzfeld, esta visão muda um pouco de figura.
Os manuscritos retratam uma sociedade patriarcal onde as posições dominantes no governo, no comércio, no exército e na familia são ocupados pelos homens, embora a posição destinada a mulher na sociedade persa não era tão insignificante e esta parecia, segundo os manuscritos, ser tratada com respeito.
Na arte aparecem retratadas abundantemente exceto em templos e edifícios públicos, geralmente cobertas por véus que em sua sociedade lhes conferia dignidade e honra. Às prostitutas e mulheres humildes era proibído usar véus por não terem a posição social adequada.
 
      Sergey Solomko – Persian Woman twisting a carpet.

 
 
Relíquia do Império Aquemênida (atual Irã) - datado do IV século a.C.
 
Esta bela taça foi feita a partir de uma única folha de ouro e foi talhada para retratar as faces de duas mulheres que contemplam direções opostas. Adornam suas cabeças, guirlandas em forma de serpentes atadas.
 
Pintura do palácio Hasht Behesht, da Era Safávida (séc. XVIII).
 
 





Usando formas e materiais tradicionais, Reza Abbasi (1565–1635), um dos mais famosos pintores e miniaturistas da escola Isaphan, introduziu novos temas na pintura persa - mulheres semi-nuas, jovens e amantes. Sua pintura e estilo caligráfico influenciaram artistas iranianos em grande parte do período Safávida.
 
Mulher com véu – Reza Abbasi – 1590-95.
 
 
           Reclining Woman – Riza Abbasi.


 
                                                 Celtas:





Nas tribos celtas, as mulheres ocupavam posições tidas como essencialmente masculinas por civilizações vizinhas, como a grega e romana. O fato delas lutarem como guerreiras não anulava a beleza e menos ainda sua feminilidade.
Ser guerreira era algo nobre, mas não impedia que esta mesma mulher fosse também sensual ou mãe, pelo contrário, a força e a delicadeza aliadas eram exatamente o seu diferencial, eram as características que faziam dela uma pessoa segura, intrépida e apaixonante. Várias facetas, muitas vezes contrastantes, coabitam o mesmo espírito de uma mulher celta.
 
 
Boudicca - A rainha Vermelha - Estátua Bronze - Thomas Thornycroft - 1905.
 

A história de Boudicca, rainha da tribo Iceni, comprova isso. Com a morte de seu marido, o rei Prasutagus, Boudicca passa a chefiar sua tribo que não estava disposta a ceder ao domínio romano. Um conceito marcante e recorrente na cultura celta é a relação intrínseca entre a soberania da Terra, representada pela rainha de um povo. Quando os soldados romanos humilharam Boudicca e suas filhas, não era somente a honra delas que estava sendo duramente ferida, mas a honra de cada Iceni. Agredir física ou moralmente uma rainha era o mesmo que manchar a soberania da Terra. A história de Boudicca nos faz perceber que o que alimentava a coragem e a ousadia da mulher celta eram justamente o respeito e a confiança que o povo tinha na figura feminina.
 

                          Boadicea Haranguing the Britons – John Opie.
 
 
 
 
 
China:
 
 
A arte chinesa é significativa não apenas por sua beleza, mas também porque foi a maior fonte de inspiração para todo o Oriente. Na antiguidade, a pintura de retratos e a pintura histórica eram os principais gêneros, uma vez que a pintura estava subordinada a uma função bem precisa, a saber, a de educar nas virtudes através da visão.
A pintura chinesa tem como característica marcante o uso do traço como forma de expressão, indo de encontro à pintura ocidental, que joga com o claro e o escuro e camadas sobrepostas de cores. A base da pintura é constituída pelos "quatro tesouros do estúdio": o pincel, a tinta, o papel e os tinteiros. Na pintura chinesa, a melodia delicada e o sentimento que os pintores querem expressar podem ser bem apresentados através de pinceladas simples, o que se deve ao uso hábil do pincel, experiência de milhares de anos.
 
Damen beim Tritrakspiel - Damas jogando - Dinastia Tang - séc. VIII - Nanquim e tinta sobre seda.
 
 
 
A serenidade dos rostos femininos, a sensualidade ainda velada, os tradicionais trajes étnicos envolvendo delicadas figuras femininas, ora se ocultando atrás de leques ora cobrindo-se com graciosos guarda-sóis, pois a brancura da pele era muito valorizada na antiga China. Olhares inocentes quase que infantis geralmente não encaram o espectador, pois as mulheres chinesas são culturalmente discretas, silenciosas. Na China a mulher é retratada tal qual uma melodia, uma sucessão coerente de sons e silêncios, inserida em belíssimas paisagens que forma em seu conjunto uma sinfonia ímpar.
 
 
 

                         Sueño de las mansiones Rojas - Feng Xiaojiang.
 
                                    Gu Xuefang - Beautiful Lady.
 
 
            Winter boat lost in lotus waters - Wang Meifang - Zhao Guojing.
 
 
 Zhao Guojing & Wang Meifang – character from the novel “ The Red Room”.
 
 
Ladies with parasols - Zhao Guojing & Wang Meifang.
 
 
Fayries song - Zhao Guojing & Wang Meifang.
 
 
"Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.”
 ―Simone de Beauvoir
 

2 comentários:

  1. Ashkenazimmarço 29, 2014

    Adorei... Que essas belíssimas imagens e dizeres, digam muito sobre nós... Que elas nos produzam, nos signifiquem... E como dizia Simone da Beauvoir: Que nada nos defina nos sujeite e assim sendo, que a liberdade seja a nossa própria substância !!!

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  2. Majestosas representações no mundo artístico se utilizam de nossa beleza e singeleza como fonte de inspiração, nos deixando apenas uma conclusão, como bem cita Schopenhauer "A mulher é um efeito deslumbrante da natureza".

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