16 de fev. de 2013

ARTE ROUBADA - A LUTA CORAJOSA DE UMA SOBREVIVENTE

                                 The Golden Portrait of Adele Bloch Bauer - Klimt


No ano de 2006 chegava ao seu final na Áustria uma disputa espetacular, que desde 1998, ocupou mídia e público. Seu clamor foi enorme mundo afora.
 
Maria Altmann
Nascida em Viena, a judia, Maria Altmann, (nome de solteira, Maria Victoria Bloch) após exaustivas tentativas em contatar o governo Austríaco pós guerra, a fim de obter explicações a respeito de sua herança, porém sem alcançar o sucesso, uma vez que, segundo lhe disse a Ministra Federal austríaca, Elisabeth Gehrer, ela e sua família não possuíam qualquer base jurídica para tal, e, a mesma se recusando a negociar com a família; Maria Altmann, se viu forçada a seguir por outros caminhos para ser ouvida. Nomeada porta voz de sua família, descobriu que abrir um processo civil em sua terra natal contra o próprio estado austríaco implicaria em possuir enormes quantias em dinheiro, que ela e seus herdeiros não possuíam. Decidiu então abrir um processo contra o estado da Áustria via tribunal superior na Califórnia (EUA), a fim de recuperar os bens legítimos de sua família, que haviam sido roubados pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Maria Altmann e seus filhos após ter sido ouvida pela Suprema Corte,EUA,2004.
 
 
Seu objetivo não foi o de reaver as propriedades e jóias da família, que já deu como perdidas, e sim as cinco obras de arte de um inestimável valor, não apenas financeiro, mais principalmente para ela e sua família, de enorme valor sentimental. Podemos perceber com quanta amargura tomou a decisão de entrar judicialmente contra seu país de origem, que não assumiu ou quis assumir responsabilidades pelos crimes cometidos no passado, na época da guerra, e do qual, inúmeras famílias judias foram vítimas, tendo sido desapropriadas de todos os seus bens. A maioria ainda sem obter restituição pelo governo austríaco até os dias de hoje.
Fazem parte do acervo de Maria Altmann os quadros pintados pelo amigo de sua família, Gustav Klimt. Dentre eles, o quadro mais caro do mundo, “Adele Bloch Bauer I” ou como é mais conhecido no mundo da arte: ” A Dama Dourada”.
 
Gustav Klimt.
 
 
ADELE E FERDINAND BLOCH BAUER
Viena, ano de 1900, é onde começa a saga desta família. Lá residiam o casal judeu vienense e mecenas da arte, Adele e Ferdinand Bloch-Bauer, que pertenciam à época a uma classe alta, significativamente intelectual e artística. Sua fortuna, advinda de suas fábricas de cana de açúcar era por eles investida sistematicamente em financiar artistas, em adquirir obras de arte e no meio cultural local. Um dos amigos próximos da família era o pintor Gustav Klimt, que na época retratou a Senhora Adele Bauer em diversas de suas obras, uma delas, pintada em 1907, por encomenda do próprio Ferdinand Bloch-Bauer, “Adele Bloch-Bauer I”.
 
 
Ferdinand Bloch Bauer e Adele Bloch Bauer
 
Desta forma foram pintados até 1916 para a família pelo artista Klimt, ainda outro retrato de Adele, “Adele Bloch Bauer II” (1912), assim como três pinturas de paisagens, “Birkenwald" (1903), "Apfelbaum I" (1912) e, "Häuser in Unterach am Attersee" (1916).
 
 
Portrait Adele Bloch Bauer I by Klimt
 
 
Portrait of Adele Bloch Bauer II By Klimt
 
Birkenwald by Klimt
 
 
Apfelbaum by Klimt
 
 
Unterach am Attersee by Klimt
 

Adele Bloch-Bauer viria a falecer de meningite em 1925. Amante da cultura de sua terra natal ela havia pedido a seu marido em seu testamento, que os quadros de Klimt fossem doados à Galeria do Estado da Áustria, após o falecimento do mesmo. Porém Adele faleceu sem saber dos horrores que a guerra vindoura traria para sua família e seu povo, e ignorando o fato da conivência entre o governo austríaco e o governo nazista à época. Em 1938, quando Hitler anexou a Áustria, e logo depois todas as propriedades do casal foram confiscadas, incluindo a coleção Klimt. De nada adiantou denunciarem o fato as autoridades austríacas, que legitimizaram tais atitudes à época. Como as pinturas de propriedade da família Bloch-Bauer permaneceram na Áustria, o governo se mostrou inclinado a validar o testamento de Adele Bloch–Bauer ficando com as obras de Klimt, além é claro das propriedades.
 








 

 
Acima , mansão da família Bloch Bauer e uma das fábricas de açucar da familia Bloch Bauer, confiscadas pelo regim Nazista.


Ferdinand Bloch-Bauer exilou-se na Suíça e desgostoso com a conivência do governo de seu país com os nazistas modificou seu testamento quanto a toda a sua fortuna e propriedades, principalmente quanto às obras de Klimt em favor de seus sobrinhos, uma vez que não tinha filhos.
                                                    
                                                      Ferdinand Bloch Bauer


MARIA ALTMANN
Maria Altmann nasceu em 18 de fevereiro de 1916, em uma das mais ricas e cultas famílias judias da Áustria, na virada do século XX. Sua tia, irmã de sua mãe era Adele Bloch-Bauer, em cujos salões eram recebidos os proeminentes vienenses e os artistas de elite assim como intelectuais de toda a Europa, incluindo o compositor Richard Strauss e o pintor, Gustav Klimt, Mahler e Schnitzler. Seu tio Ferdinand, irmão de seu pai, e marido de Adele, era um magnata do açúcar, que regularmente fazia encomendas ao amigo e pintor, Klimt para retratar sua esposa, Adele. O mais famoso foi “Adele Bloch-Bauer I”.

 
Maria Altmann aos 3 anos de idade com sua mãe (irmã de Adele Bloch Bauer) em Viena.


Maria Altmann (à esq.) com sua irmã mais velha Luisa, no casamento da mesma com Viktor Gutmann em 1927 em Viena.


                            Maria Altmann aos dezenove anos em Viena.


        Maria Altmann ( 2ª da direita para a esquerda , 1ª fila) com amigos.


Maria se casa com Fredrick Altmann, conhecido como Fritz Altmann, em dezembro de 1937 e recebe de seu tio, Ferdinand um colar de diamantes, juntamente com a pulseira, que pertenciam a Adele, e que estão retratados na pintura “Adele Bloch Bauer I”. O mesmo foi roubado pelos nazistas tornando-se posse da família de Herman Goering, chefe da força aérea nazista e fundador da Gestappo. As jóias nunca conseguiram ser reavidas, pois os descendentes de Goering alegam a inexistência das mesmas.
 
                                            Hermann Göring sendo julgado em Nürnberg.
 
 
 
Portrait Adele Bloch Bauer de Klimt, onde se pode ver o colar e a pulseira de diamantes que pertenciam a Adele Bloch Bauer e foram dadas de presente de casamento para Maria Altmann.
 

Após o “Anschluss” da Áustria ao "Reich" Nacional Socialista Alemão, toda a família se tornou alvo da perseguição anti-semita. Fredrick Altmann, marido de Maria é enviado para o campo de concentração de Dachau. Após algum tempo é liberado do mesmo e colocado sob prisão domiciliar por ordem de um sobrinho de Hitler, cuja vida ele havia salvo há anos atrás, e o mesmo lhe aconselha a fugir. O caminho de fuga leva Fritz e Maria Altmann para o exílio primeiro para a Holanda passando pelo Reino Unido e, finalmente para os Estados Unidos, onde em 1942 chegaram a Los Angeles. Em 1945, recebem a cidadania americana. Maria e Fritz Altmann tiveram quatro filhos e seis netos.

 
Fredrick e Maria Altmann com um de seus filhos, EUA.
 
 
Por meio século, o quadro “Adele Bloch-Bauer I” esteve ornamentando as paredes do museu Belvedere, em Viena. Decorava a capa do livro guia do museu tornando-se parte da identidade cultural daquele país. O governo pós-guerra austríaco impôs todos os tipos de obstáculos legais para manter os judeus bem afastados de recuperarem suas obras de arte outrora saqueadas.
 
Museu Austríaco "Schloss Belvedere".
 

Porém, em meados de 1980 começaram a surgir boatos sobre a origem de grande parte dos objetos de arte da Áustria. O governo, mesmo tentando manter sigilo, acabou tendo que ceder sob enorme pressão popular, depois que o respeitado jornalista e escritor, Hubertus Czernin, começou a pesquisar e escrever a respeito, denunciando o fato das vítimas do Holocausto ainda estarem sendo vitimadas pelo governo austríaco. Descobriu também que o mesmo, faltou com a verdade para com o irmão de Maria Altmann, Leopold Bloch Bauer (que mudou seu nome para Leopold Bentley com medo do anti semitismo), quando lhe disseram, ser o último pedido de sua Tia Adele Bloch-Bauer, um testamento válido, o que mais tarde se provou inverídico. Suas investigações revelaram uma carta datada de 1941, escrita por Eric Führer, um advogado de liquidação nazista (seu trabalho consistia em avaliar e validar para o governo nazista bens e propriedades roubadas). Nele, Eric Führer “oficialmente” transferia a obra “Adele Bloch-Bauer I” ao Museu austríaco. A transferência foi assinada "Heil Hitler". Os registros ainda mostravam que Ferdinand Bloch-Bauer era proprietário de diversas obras de arte, inclusive de mais de 16 pinturas, desenhos e esboços de Klimt. A denúncia na mídia levou em conta milhares de peças de coleções particulares de famílias judias e da dificuldade por eles encontrada (ou no caso por seus herdeiros) em reaver suas propriedades e pertences. Somente em 1998, após Maria Altmann ter ganho o processo contra o estado, a Áustria aprovaría novas leis que abrem seus arquivos ao público.
 
Hubertus Czernin

 
Leopold Bloch Bauer (Leopold Bentley), irmão de Maria Altmann.
 

Após seis infrutíferos anos lutando, juntamente com o seu advogado, e amigo da família, E. Randol Shoenberg, em tribunais civis pela recuperação das obras de arte pintadas por Klimt, em 1998, Maria Altmann, aos 82 anos, ganha o processo contra a Áustria, na Suprema Corte dos Estados Unidos.

 
Maria Altmann  com seu advogado, E. Randol Shoenberg.
 

De acordo com as declarações de Maria Altmann de início, quando contatou as autoridades austríacas para questionar o porque de não terem contado a verdade a sua família, sua intenção era a de deixar os quadros na Galeria Austríaca Belvedere, respeitando a vontade primeira de sua tia Adele Bloch-Bauer. Porém, a recusa obstinada da Áustria para negociar fez com que mudasse suas intenções.

 
Veja mais em:

Algumas semanas mais tarde, quatro das cinco pinturas foram vendidas em leilão da Christie’s, em Nova York, a pintura “a Dama Dourada” de Klimt, foi vendida ao empresário e bilionário Ronald Lauder, proprietário da empresa de cosméticos, Estée Lauder. Embora os acordos de confidencialidade em torno da venda proíbam Mr. Lauder a divulgar o preço de sua aquisição, especialistas familiarizados com as negociações, falando em condição de anonimato, contam que pagou 135 milhões de dólares pela obra. As vendas das cinco pinturas teriam acumulado uma soma de mais de 325 milhões de dólares.

                                            Ronald Lauder

 
Ronald Lauder e Maria Altmann, Neue Galerie,Nova York.
 
 

A pintura tornou-se a peça central da coleção de Lauder em sua Neue Galerie, um pequeno museu na Quinta Avenida com a Rua 86, em Nova York.
Ronald Lauder é inteiramente dedicado a recuperar a arte de propriedade da comunidade judaica, principalmente da Alemanha e da Áustria, confiscados ou roubados pelo regime nazista.
Sobre a obra “Adele Bloch Bauer I” Lauder diz: "Esta é a nossa Mona Lisa”.

 
Neue Galerie, Nova York.
 
 
"Artbook" , Neue Galerie, Nova York.
 
A história da familia Bloch-Bauer e Altmann têm sido retratada e documentada em filmes como:
“Adele’s Wish”, “Stealing Klimt” e "The Rape of Europa”, que retratam os acontecimentos que ocorreram durante a sua luta para recuperar as pinturas de Klimt.
 
Adele's Wish
 
 
The Rape Of Europa
 
 
Stealing Klimt.
 
Os livros “The Accidental Caregiver” de Gregor Collins, e "The Lady in Gold"  de Anne-Marie O'Connor também relatam a curiosa história.
 
 
The Accidental Caregiver, Gregor Collins.
 
The Lady in Gold, Anne Marie O"Connor.
 
 
 Veja mais sobre “Adele’s Wish” nos seguintes link’s:
Sobre: “Stealing Klimt”
Sobre: “The Rape of Europa”
Sobre: “ The Lady in Gold”
Sobre “The lady in Gold” narrado em espanhol:
Como resultado de sua luta de décadas, e do sucesso de sua ação contra o estado da Áustria, centenas de famílias judias entre outras tantas que tiveram seus bens confiscados estão entrando com ações para recuperar seus tesouros perdidos saqueados durante o Holocausto. Sem Maria, nenhum deles teria tido uma chance.
 
Maria Bloch-Bauer em 1936 no "Opera Ball" em Vienna.
 
 
Maria Altmann aos 96 anos.
 
IN MEMORIAM: MARIA ALTMANN.
 
 
 
 
 
 


 
 

7 comentários:

  1. Uma mulher além de corajosa, extraordinária. Belíssimo post, parabéns pelas palavras inspiradoras.

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  2. Delia Corecco Steinerfevereiro 19, 2013

    Obrigada Aminah pela sua sensibilidade de sempre! Bjs

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  3. Maria Altman... Um grande exemplo de perseverança e coragem !!! Parabéns pela belíssima postagem !!!

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  4. Delia, ig gratuliere dir zu daem Bitrag. Eifach fantastisch! E grossi Arbeit ueber ne interessanti Gschicht! I liebe em Klimt siner Sache u ha viel glehrt! Danke Liebs, du bisch grossartig! Uebrigens, es stimmt scho ne chli, was du mir gseit hesch vo der Maria Bauer!!! Bjs

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  5. O documentário ROUBANDO KLIMT que passou no Brasil na GLOBOSAT é uma das obras mais impressionantes do campo dos documentários que já vi. Conta toda essa história com declarações de Maria Altmann. Imperdível.
    Impressiona a coragem, a postura, as idéias dessa mulher que viveu sem maior fama, mas de uma
    nobreza que revela todo o berço que teve: cultura e amor, resistindo as percalços das tristezas que
    a vida lhe impôs.
    Bergson Guimarães

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  6. Muito bom, Délia, agradecida!

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  7. A luta desses povos abordada sob outras nuances no filme A Dama Dourada, que conta a história dessa grande mulher. Para os nazistas não bastavam tirar-lhes a vida, mas extirpar da Terra toda a sua história.

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