“Cultura é toda forma de intervenção humana na natureza
transmitida de geração a geração, nas diferentes sociedades, criação exclusiva
dos seres humanos, é múltipla e variável no tempo e no espaço, de sociedade
para sociedade.” - Sílvio de Oliveira
Torres.
Arte Marajoara - Brasil.
A ilha de
Marajó, maior arquipélago flúvio-marítmo do mundo se localiza no estuário
amazônico, sendo banhado pelo rio Amazonas apenas em sua porção oeste, onde a
acumulação de sedimentos do rio originou áreas um pouco mais elevadas nesse
arquipélago, que é predominantemente plano. Já no lado leste da ilha que é
dominado por campos que
permanecem alagados de fevereiro a junho, desenvolveu-se uma das mais intrigantes
culturas da América pré-colombiana. A cerâmica marajoara, feita por estes
indígenas, é a mais antiga dentre as artes em cerâmica do Brasil. Muito
sofisticadas, as peças em cerâmica marajoara são altamente elaboradas,
possuindo variadas técnicas de ornamentação.
Detalhe
de alto relevo em vaso cerâmica marajoara.
Os Nuaruaques, também chamados de Aruaques, (significa
“comedor de farinha”) foram os primeiros habitantes da ilha e os arqueólogos
acreditam que esta cultura tenha vindo dos Andes há cerca de dois mil anos,
provavelmente pelo Rio Amazonas, e se instalado na Ilha de Marajó com seu povo
numeroso, para em seguida desenvolver-se tanto em relação ao aumento populacional,
quanto no aspecto social e artístico. Calcula-se que no início do século XVII,
quando os jesuítas fundaram o primeiro povoado na ilha, existiam mais de
100.000 silvícolas em Marajó. Após seu desaparecimento, hoje ainda é nítida por
toda parte a memória indígena. Sua herança genética e cultural permaneceu na
história viva e na formação dos “caboclos marajoaras” contemporâneos.
Aldeia
Nuaruaque - 1860.
Se observarmos com cuidado esta rica cerâmica, veremos que nela
foram registrados vários padrões de formas originais, muito antigas, que se
perderam no decorrer do tempo, podendo estar relacionados não somente a cultos
destes povos, mas também a uma linguagem desconhecida usada por seus
ancestrais. É notório, que esses povos detiveram um grande conhecimento que foi
no decorrer do tempo, misteriosa e gradativamente, sendo diluído nas brumas do
esquecimento pelos seus próprios descendentes. Acredita-se que até mesmo a rica
mitologia dos indígenas norte-americanos tenha exercido influência na cultura
dos Marajoaras e na vasta simbologia e artes aprimoradas em cerâmica que
deixaram para trás antes de desaparecerem.
Simbologia retirada de cerâmicas marajoaras.
Vaso Globular 400 a 1.400 D.C. Cerâmica Marajoara.
As mais esplêndidas cerâmicas Marajoaras que sobreviveram ao
inexorável passar do tempo e à corrida especulativa de mercadores da
arqueologia não se encontram sob a guarda de organismos culturais no Brasil,
mas em museus europeus e norte-americanos. As peças remanescentes desta arte
excepcional foram encontradas mais recentemente e catalogadas pelo pesquisador
suíço Emílio Goeldi, a serviço do governo brasileiro. Estão depositadas no
museu arqueológico de Belém, que recebeu o nome deste notável pesquisador.
Retirada
da grande igaçaba marajoara de local de escavação – Marajó.
Acervo
do Museu Paraense Emilio Goeldi – cerâmica marajoara.
Parque
Emílio Goeldi – Pará – Brasil 1901.
Parque
do museu paraense Emilio Goeldi (atualidade)
A Ilha de Marajó, onde esta cultura indígena se desenvolveu,
não possui quase nenhum relevo e está a cerca de apenas 100 m acima do nível do
mar. Porém, foi neste território que se encontrou os restos deste povo antigo,
que pela variedade e sofisticação de seu método de vida, ofereceram aos
pesquisadores elementos para os classificarem em um nível bem elevado junto às
culturas mais antigas, especialmente entre as pré-colombianas da América
Central e Andina.
Ilha
de Marajó.
As pesquisas
revelaram que os índios marajoaras levantavam suas casas sobre morros
artificiais chamados de Tesos, aterros que chegavam a ter de 3 a 12 m de altura
e cerca de 250 m de comprimento por 30 m de largura, construídos para proteger as
casas de inundações comuns na ilha de Marajó. Os tesos marajoaras são sempre
encontrados em agrupamentos, onde um,
dois ou três tesos eram destinados à moradia da elite e ao culto aos antepassados,
enquanto que em um número maior deles há evidência somente de moradia das pessoas comuns (onde se encontra cerâmica doméstica e
ausência de cerâmica cerimonial). Esses agrupamentos mostram diferenças entre
si em sua distribuição em relação ao acesso aos recursos naturais (lagos e
igarapés) e também quanto à forma, decoração e iconografia dos artefatos.
Escavando esses Tesos, os arqueólogos encontraram vasos, vasilhas,
urnas, tigelas e outras peças de cerâmica, feitas com argila cozida da região.
Os objetos que mais chamaram a atenção, as urnas funerárias foram encontradas
em sepulturas oriundas dos Tesos cerimoniais. Através de datações pelo método
C-14 os arqueólogos chegaram a propor que a cultura Marajoara teria surgido por
volta do ano de 1.100 a.C. Ao erigirem tesos cada vez maiores e mais altos, os
antigos marajoaras buscavam distinguir-se na paisagem, dominando pelos campos
até onde sua vista alcançava. Hoje em dia os tesos são ainda imponentes na
paisagem, sendo procurados pela população como local de moradia e para refúgio
do gado durante a estação chuvosa, quando tudo o mais alaga.
Escavação
arqueológica Marajó.
Urna Funerária Marajó.
A produção da cerâmica se concentrava no trabalho das
mulheres das tribos, responsáveis por todo o processo, da escolha da argila à
modelagem, da queima das peças à pintura dos utensílios. Dentre a produção, há
uma grande diversidade de objetos utilitários e decorativos como vasilhas,
brinquedos, urnas funerárias, apitos, chocalhos, cachimbos, estatuetas, entre
outros. Um dos aspectos que mais
diferenciam a arte ceramista de Marajó das demais, inclusive, a tapajônica, é o
da elaboração de tangas côncavas, que segundo pesquisadores eram utilizadas nos
funerais femininos. Apesar de estas peças terem sido encontradas quase sempre
em cemitérios, já se constatou que foram usadas também em outras ocasiões,
porque algumas peças encontradas possuíam furos laterais para transpassar
cordas de sustentação, com sinais de desgaste por uso contínuo.
Tapa
sexos femininos e masculinos – Cerâmica Marajoara.
(imagem de Nete Boulhosa)
Tapa
sexo cerâmica marajoara com furos laterais.
Objetos
utilitários e decorativos – cerâmica marajoara.
Os objetos revelam caracteres logicamente delineados,
estilizações de objetos e animais, além de motivos antropomorfos e zoomorfos,
executados com elevado grau de elaboração e cuidado.
Vaso
Zoomorfo museu paraense Emilio Goeldi
Recipiente
Antropomorfo – Cerâmica Marajoara.
As peças eram acromáticas, ou seja, não possuíam cor na
decoração, ou cromáticas. Nas peças cromáticas, utilizavam o englobe (barro em
estado líquido) com pigmentos extraídos de alguns vegetais, como o urucum (tupi
"uru-ku", que significa "vermelho"); o caulim (mineral); o jenipapo
(em tupi-guarani, significa "fruta que serve para pintar") extraído
do suco da fruta verde, que em contato com o ar tornava-se negro ou azul-escuro; ainda o carvão vegetal; o babaçu; e a
cúrcuma (açafrão da terra); estes dando origem as cores mais utilizadas, o
vermelho, o branco, o preto/azul, o marrom e o amarelo.
Peça
cromática de cerâmica marajoara.
Urucum
/ Jenipapo/Cúrcuma.
Acima a esquerda, Babaçu fruto. Á direita, Babaçu óleo corante.
Cúrcuma
ou açafrão da terra, tubérculo e pó.
As índias da Ilha de
Marajó utilizavam o barro para confeccionar os objetos utilitários ou
decorativos. Visando aumentar a resistência das peças, misturavam o mesmo, com
outras substâncias minerais ou vegetais, como pó de pedras ou conchas, cinzas
de cascas de árvores ou de ossos e o cauixi (tupi "Kauixí", espécie de esponja gelatinosa
que recobre as raízes submersas de árvores).
Diversos
tipos de solo argiloso – Marajó.
A decoração das cerâmicas marajoara era composta por traços
gráficos harmoniosos e simétricos, cortes, aplicações, dentre outras técnicas.
Depois de prontas, as peças eram queimadas em fogueiras feitas dentro de buracos cavados na terra e eram
finalizadas com breu do Jutaí (conhecida popularmente como Jatobá), uma resina feita da casca desta árvore. Este
material proporcionava um efeito brilhoso semelhante ao do verniz.
Processo de queima da cerâmica como era feita pelos
indígenas em Marajó (colocação dos utensílios em barro no buraco feito no
solo, já colocados os gravetos e folhas para queima).
Objetos
em cerâmica marajoara.
Desenho geométrico sobre urna funerária em cerâmica, Ilha
de Marajó, Museu Nacional da UFR.
Grafismo
na arte ceramista do Marajó.
A fase mais estudada e conhecida da produção da cerâmica
marajoara compreende os anos entre 600 e 1.200 depois de Cristo, marcada pela presença
de objetos com acabamento muito detalhado em baixo ou alto-relevo, leva a crer
que a região foi ocupada por grupos com razoável grau de organização e
diferentes camadas sociais, agrupadas a partir de suas relações e valores
culturais. O legado deste povo é uma das maiores riquezas da cultura do Norte
brasileiro e existem diversos artesão locais, caboclos marajoaras descendentes
dos indígenas, que produzem belíssimas réplicas desta arte para turistas do
mundo inteiro.
O
ceramista Carlos Amaral trabalha de acordo com antigas técnicas marajoaras, e
utiliza diversos dentes e garras de animais para realizar as incisões nas peças.
Caboclo
marajoara.
Forno
de queima da cerâmica marajoara atual.
Vasos
- cerâmica marajoara.
Não poderia deixar de prestigiar este post, que além de rico em conhecimento o é em beleza. Nossa história, tradição e cultura em muito descende da arte dos povos primitivos que habitavam a terra brasilis, e, o que podemos constatar é que toda informação antes nos fornecida sobre os indígenas que aqui habitavam entra em divergência ao nos depararmos com objetos artísticos de tamanho requinte, dotados de uma técnica própria e imponente, que em nada se assimila ao indígena passivo e pouco esclarecido do qual entramos em contato através do conhecimento até então disseminado nas escolas.
ResponderExcluirObrigado Aminah pela sua presença tão querida e inteligente.Um grande abraço.
ExcluirFiquei impressionada com sua pesquisa, parabéns!
ResponderExcluirObrigado. Volte sempre.
ExcluirDelia, obrigada por este post maravilhoso e interessante! Sou fã da arte marajoara, mas na realidade não sabia tanta coisa sobre a historia! E olha, que eu já visitei a ilha, o museu Goeldi (adorei o jardim que e lindo), uma fábrica de artesanato marajoara, e comprei peças que amo! Mas sua pesquisa me abriu o horizonte !Obrigada....Bjs
ResponderExcluirFico honrada. Muito obrigado. Bjs.
ExcluirMuito bom esse material disponibilizado aqui! Parabéns
ResponderExcluirGratidão. Volte sempre.
ExcluirOnde podemos comprar uma urna funerária antigua? Onde vendem? Me pode escrivar email: a11000@aol.com
ResponderExcluirTalvez se contactar os museus de arte antiga eles possam lhe dar algumainformação a respeito.
ExcluirMe salvaram obrigada! O mais completo sobre o assunto, tinha que fazer maquete para escola .
ResponderExcluirQue bom, fico feliz. Volte sempre.
ExcluirDéo Almeida, paraense nascido em 1966, trabalho com artesanato em cerâmica desde 1966, especializei-me na reprodução de cerâmica com referências arqueológica, através de pesquisas em literaturas, seminários e oficinas na área. Participação em uma escavação arqueológica com uma equipe do museu Emilio Goeldi. Trabalho a cerâmica com comunidades no sul do Pará e no Baixo Amazonas. Coordeno um projeto no museu Emilio Goeldi e Belém do Pará com as arqueólogas e antropólogas Cristiana Barreto e Helena Lima junto com ceramistas artesão do Bairro do Paracuri em Icoaraci distrito de Belém do Pará. Meu contato no Whatssap - 91- 998139252 - email : de.o.ja@hotmail.com
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir(https://www.facebook.com/deo.almeida.9) Poderão ver um pouco mais do meu trabalho.
ResponderExcluirLindo seu trabalho, parabéns.
ExcluirOlá,moro em Estremoz RN e achei no meu quintal alguns cachimbos de cerâmica muito parecidos com esses e alguns pedaços de cerâmica com desenhos acredito que possam ser indígenas
ResponderExcluirFico muito contente João, talvez possa entrar em contato com o museu Emílio Goeldi no Pará para que possam lhe dizer como proceder. Boa sorte.
ExcluirOlá!
ResponderExcluirParabéns pelas informações compartilhadas, mas gostaria de fazer duas observações:
1º - Há uma fotografia de Alter do Chão, em Santarém que aqui está identificada como Ilha do Marajó. Sugiro fazer a correção pois trata-se de uma erro geográfico e turístico gravíssimo.
2ª. A foto com a legenda "tapa sexo feminino e masculino" tem direito autoral (suponho que seja o caso da maioria das fotografias aqui apresentadas), logo é indispensável ao menos a identificação do autor da fotografia (essa foto foi feita por mim e está em meu blogger Nete Boulhosa). Na verdade seria bom que o uso das fotos fossem de conhecimento de seus autores, pois para mim as fotos não são simples ilustração, são materiais documentais, é um recurso que eu utilizo como metodologia da pesquisa de campo.
Conta com sua atenção e consideração.
Prezada Nete Boulhosa, obrigada pela colaboração.Infelizmente, como estrangeira que sou, ainda não tive a oportunidade de conhecer a Ilha de Marajó e tentei encontrar a imagem mais bela representando-a, tristemente na Internet nem toda legenda é válida, mas já retirei a foto de Alter do Chão e inseri duas da Ilha de Marajó no local. A Foto com legenda que a senhora menciona, também encontrei na Internet exatamente com esta legenda, a mesma não fazia menção a senhora e tampouco ao seu blog, mas o erro também será corrigido. Inclusive na página principal do meu Blog, tive o cuidado de inserir justamente uma observação a este respeito dizendo que toda e qualquer imagem postada bem como seus direitos autorais pertencem aos seus respectivos proprietários e peço para que os mesmos entrem em contato comigo caso reconheçam alguma imagem ou publicação como sendo de sua autoria. Grata pela compreensão.
ExcluirIlha Marajó.... só que não. trata-se de Alter-do-chão. Fora essas e outras sugestões feitas pelos leitores, a intenção e conteúdos são bons, porém tenha mais cautela ao publicar algo na incerteza, não e descredibiliza seu blog, mesmo assim Parabéns.... Professor Corona Soares
ResponderExcluirPrezado Professor Corona Soares, realmente não conheço o local e havia encontrado a imagem na Internet como sendo a Ilha de Marajó. Tento,como estrangeira que sou, fazer o possível para enaltecer a arte de todos os países e também a brasileira. Agradeço sua colaboração, já corrigi a imagem. Grata.
ExcluirBoa noite
ResponderExcluirParabens pelo belissímo trabalho, e divino estes artesanato, quero o contato do artesã para assim que tiver oportunidades convida -lo para participar de eventos indígenas.
Gratidão.
Gostariamos de vender seu produtos,teria catálogo e preços?
ResponderExcluirEm meus estudos nunca vi peça marajoara com finalização em jutaicica, penso que poderia ser com será de abelha.
ResponderExcluirSei que se bem brunida a peça trás uma durabilidade muito melhor
Excelente trabalho de expansão da beleza artística cultural vida e resiliência
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