Na infância, Amedeo sofreu de diversas doenças graves, que
comprometeram sua saúde pelo resto da vida. No liceu de Livorno, onde o garoto
estudava, os professores percebiam sua inclinação pelo desenho. Freqüentemente,
porém, faltava às aulas. Motivo: doença. Em 1895, com onze anos, contrai
pleurisia. Em 1898, febre tifóide com complicações pulmonares. Ocupa o tempo de
repouso com leituras escolhidas pela mãe: poesia clássica e moderna, ensaios
ricos de máximas, aforismos e sentenças (que tanto gostaria de citar de memória
em conversas nos cafés de Paris), textos de história da arte.
Modigliani no Liceu de Livorno.
Modigliani no Liceu Guerrazzi, 1896.
Ameaçado pela tuberculose, da qual teve uma recaída em
1901 sua mãe é aconselhada a passar com ele uns tempos em regiões de climas
mais amenos. Seguem assim para Capri, ao sul e depois para Nápoles e Florença.
Naquela época, Florença não significava apenas artes plásticas. Era também um
centro de inquietas discussões de filosofia e literatura. Em 1902 se matricula na
“Scuola Libera di Nudo” em Florença. Porém, a pintura ocupava então um lugar
quase secundário na atividade de Modigliani, posta de parte pelas intermináveis
discussões que movimentavam as inquietas noites florentinas.
Modigliani (primeiro plano) no estúdio de
Gino Romitti, 1902.
Em 1903, ele troca Florença por Veneza, em cuja " Scuola
Líbera di Nudo Academia di Belle Arti di
Venezia " se inscreveria com o intuito
de aperfeiçoar e aprofundar sua formação, uma vez que esta escola de arte se
concentrava principalmente na elaboração do nu "au naturel" e não na
composição acadêmica formal. Gostava de circular
pelas ruelas da cidade, olhar horas a fio os mosaicos da Igreja de São Marcos
ou as telas elegante de Carpaccio expostas nas gallerie. Para os colegas, era apenas um diletante, um moço erudito que
freqüenta museus para afugentar o tédio.
Modigliani ao chegar a Veneza
Placa diante do Studio de artes de Modigliani em Veneza
Modigliani sonhava com Paris. Como tantos outros, de outros
países, via a sua terra natal como uma província confinada, cujo presente nada
acrescentava às glórias artísticas do passado. Antes dele, um jovem catalão
realizou esse sonho em 1900. Chamava-se Pablo Picasso. Em 1904, foi a vez do
italiano Brancusi. Finalmente em 1906, o espanhol Juan Gris, o russo Kandinsky
e o italiano Modigliani seguiam rumo a
cidade luz. Modigliani chegou a Paris quando a cidade ainda era o centro do
mundo moderno, o lugar onde você tinha
que estar para se tornar um artista. Lá, estudou na “Académie Colarossi”.
1.Modigliani chegando a Paris 2.Placa da “Académie Colarossi” 3.Fachada da Academia 4.Dentro da Academia em 1906.
Graças ao anti-semitismo francês (de uma espécie que na
época era quase desconhecido em sua Itália natal), ele descobriu um sentido
muito mais forte da identidade judaica, e seus amigos no mundo da arte de Paris
eram principalmente judeus. Eles incluíram Soutine, Kisling, o escultor
Lipchitz e do poeta Max Jacob - sua ligação real com o círculo em torno de
Picasso.
Modigliani (esq.) ao lado de Picasso e Salmon.
Tornou-se um dos chamados “artistas malditos” da Escola de
Paris, com seu temperamento desregrado tendendo a auto destruição. Figura
carismática de grande beleza física e prodigiosa memória, marcava presença nos cafés de Montparnasse, recitando com
brilho e expressão versos de Dante Alighieri e D’Annunzio, fazendo depois
rápidos desenhos do ambiente e das pessoas, em troca de pequenas quantias ou de
um copo de vinho. Seu apelido de infância, Modi, cuja pronúncia igualava-se à da palavra maudit (maldito em francês), começou a ser usado por alguns como trocadilho para
amaldiçoado. Ao chamá-lo desse modo, conceituava-se seu estilo de vida, antes
mesmo que fosse possível reconhecer o valor artístico de sua obra, definida
pela ousadia e personalidade. Como outros pintores e artistas do seu tempo,
viveu a experiência da extrema pobreza, e no seu caso, além de desfrutar da
boêmia se tornaria alcoólatra e dependente de drogas. Dizem que ele nunca
aceitou conselhos de ninguém e com certeza sabia como festejar. Tinha imensa paixão
pela arte, pela vida e pelo o amor. Defendia suas idéias não se importando com
o que outros viessem a dizer, era de uma autenticidade ferina.
Modigliani em seu Studio em Paris.
Conheceu o escultor romeno Constantin Brancusi que o estimulou a trocar os pincéis pelo cinzel e a
exprimir no mármore sua visão da figura humana. Modigliani começou então a dedicar-se à escultura. Trabalhava com a
convicção dos que descobrem uma nova verdade. O cubismo também causou-lhe profunda impressão. Admirava ainda
a pintura de Cézanne. A arte africana e as reminiscências da pintura sienesa dariam aos seus trabalhos de escultura as
características principais. O alto preço do material e sua péssima situação
financeira e de saúde, o fizeram retomar a pintura. Graças porém à sua
experiência como escultor, Modigliani pôde expandir, na pintura, seus
verdadeiros meios de expressão e completar sua procura de um ideal plástico. Da
arte dos povos africanos, reteve o sistemático alongamento dos rostos, o
tratamento geométrico do pescoço, o volume decidido e retilíneo do nariz - que
tanto caracterizam seus retratos.
Constantin Bracusi
Escultura de Modigliani
Escultura de Modigliani
Por meio dos companheiros de arte, conheceu o poeta polaco Léopold
Zborowski, que tinha um pequeno negócio de quadros na Rue Joseph Bara. Zbo - como era chamado - foi para Modigliani
um empresário, um companheiro, um cúmplice - um amigo. Enquanto o pintor
trabalhava ou vagabundeava, Zbo, com suas telas debaixo do braço, tentava
enternecer e persuadir os grandes, os verdadeiros marchands para que comprassem
as obras do jovem italiano desconhecido. Freqüentemente em vão. Constantemente,
o polonês voltava silencioso, com os olhos em lágrimas. Contudo, aos poucos, seus
esforços deram frutos. Zbo se tornaria seu melhor e mais devotado amigo, além
de incentivador e marchand.
Leopold Zborowsky e Hanka
Portrait de Zborowsky feito por Modigliani
Leopold Zborowsky
Em 1909, entrou no Salão dos independentes com “O Violoncelista”. Os temas preferidos de Modigliani foram os retratos e os nus femininos com
modelos.
Estudo para Violoncelista, 1909
Violoncelista II
"Nude" Museu Guggenheim, 1917.
Em 1917, fez sua primeira exposição individual na Galeria
Weil de Paris. A exposição, que durou apenas um dia, gerou muita polêmica, pois
os nus pintados por Modigliani chocaram o público. A sensualidade lânguida, os lábios
entreabertos e peles rosadas a vista, faziam o público sentir não tanto à
indecência, porém o embaraçosamente íntimo. Havia algo de voyeurismo em suas
pinturas e as más línguas da época diziam estarem suas modelos tão à vontade
sem trajes uma vez que foram por ele desnudadas antes de serem retratadas.
Cartaz anunciando sua exposição
"Reclining Nude", Amedeo Modigliani.
Modigliani teve, por dois anos, uma complicada relação com a
jornalista e poetisa inglesa Beatrice
Hastings, de quem dependeria para o
sustento e que se tornaria sua modelo e
musa no período.
Beatrice Hastings
Portrait de Beatrice Hastings
Foi em junho de 1917,
que o destino aproximou Modigliani da jovem que seria sua companheira para além
da morte: Jeanne Hébuterne de 19 anos. Se apaixonaram perdidamente e passaram a
viver no 8 Rue de la Grande Chaumière, alugado por Zborowski. Ele a amou e a pintou com toda a doçura de
que era capaz. Procurou poupá-la ao máximo de suas próprias explosões de
cólera, da ira que o ácool fazia subir à tona. Mas, não pôde poupá-la da fome,
da miséria, da incerteza, agravadas pela má saúde. Com ela teve uma filha,
Jeanne, em 1918.
Jeanne Hébuterne, 1917.
Jeanne Hébuterne no estúdio de Modigliani, 1918.
Portrait de Jeanne Hébuterne, 1919.
Actual Image of the building at 8th Rue de la Grande Chaumière.
Complicações na saúde fizeram o pintor viajar para o sul da
França com a esposa e a filha, a fim de recuperar-se, retornando a Paris ao
final de 1918. Na noite de 24 de janeiro de 1920, aos 35 anos, Modigliani morre
de tuberculose. Sua morte deixa Hébuterne aos 21 anos de idade em completo
estado de choque, a primeira vista Zborowski parecia querer ajudá-la, mas finalmente ele se livra dela fazendo com que retorne a
casa de seus pais, com os quais ela não mantivera contato desde que se juntou
com Modigliani. Na mesma noite (26 de janeiro), quando seu irmão pensou que ela
estava dormindo, ela abriu a janela e pulou do 5 º andar da casa paterna,
grávida de nove meses, encontrando a morte. Seu corpo foi rapidamente velado e
sepultado no cemitério de Bagneux, por seus pais, enquanto uma grande
multidão assistia ao funeral de Modigliani no cemitério de Père Lachaise. Somente
uma década depois, Jeanne e seu filho natimorto foram transladados para o
cemitério de Père Lachaise, ao lado de Modigliani. Os jornais falaram sobre a
tragédia de uma pobre criança que pulou de uma janela para seguir o seu amante.
A filha, Jeanne, foi adotada pela irmã de Modigliani, residente em Florença, e
escreve mais tarde uma importante biografia de seu pai. A primeira exposição
retrospectiva da obra de Modigliani tem lugar na Galeria Montaigne.
Jeanne Hébuterne aos 19 anos
Portrait de Jeanne Hébuterne
Lápide de Jeanne Hébuterne e Modigliani
Jeanne, filha de Amedeo Modigliani e Jeanne Hébuterne
Acerca da vida do pintor e a tragédia que se abateu sobre o
casal, em 1957 foi realizado o filme "Montparnasse 19" (Os amantes
de Montparnasse), dirigido por Jacques Becker e interpretado por Gérard
Philipe, Anouk Aimée, Lilli Palmer e Lino Ventura. Em 2004, foi apresentado o
filme "Modigliani: Paixão pela Vida" contando a vida conturbada de
Amadeo Modigliani e sua relação com Jeanne.
Andy Garcia em Modigliani, o filme.
Cena do filme Modigliani
Cena do filme Modigliani
Figuras alongadas, de pescoço comprido e rosto ovalado se
tornariam características da pintura de Modigliani. O que talvez seja mais
incomum sobre retratos de Modigliani não é o alongamento das figuras, mas os
seus olhos. Especialmente em sua obra posterior, Modigliani, muitas vezes
deixou os olhos em branco, o que é no mínimo intrigante, dada a ausência de uma
"janela para a alma". No filme "Modigliani", onde o ator
Andy Garcia, interpreta Amedeo Modigliani, há uma cena onde ele diz a Jeanne
Hébuterne, interpretado por Elsa Zylberstein, "Chame-me de Modi. Agora, vou pintar você, e se eu tiver
sorte um dia pintarei seus olhos. "
Lunia Czechovska by Amadeo Modigliani, 1919.
Cena de Modigliani, o filme.
Valorizando cores como o vermelho e o amarelo, Modigliani
buscou mostrar alguns sentimentos humanos ligados, principalmente, à tristeza e
melancolia. Seus traços são simples, porém marcados por forte expressão. Seu admirável domínio da cor é completado por
um quase despojamento da figura, em que muitos quiseram ver a marca de sua
inclinação para a escultura.
"Femme Rousse", Modigliani.
Modigliani painting.
Estudiosos de artes plásticas dizem que a obra de Modigliani
não pode ser enquadrada em nenhuma escola ou movimento artístico da época.
Afirmam, que suas pinturas e esculturas possuíam um estilo único e autônomo.
Porém, algumas características do expressionismo (deformação, por exemplo) aparecem nas obras deste artista.
Auto Retrato, Modigliani
Nos últimos anos da
vida, pinta quase só retratos e nus femininos. Modigliani buscou, em suas obras,
"tirar a roupa" dos seres humanos e mostrar suas almas. A sensualidade de suas figuras não seriam
encontradas em sua nudez, mas no movimento e alongamento que o pintor lhes
daria. Modigliani tinha o raro dom de conseguir uma empatia entre o espectador
e os seus retratos.
Nude, Modigliani.
Nude, Modigliani.
"Nu couche de Dos", Modigliani
É a inteligencia de Modigliani que explica a variedade
de sua obra. O que ele pretende dizer é que determina a linguagem a utilizar.
Na aparente monotonia, Modigliani a cada vez renova sua paleta e reinventa uma
linguagem. A vida nunca deixou de maravilhar o pintor, ainda que aos pouquinhos
o fosse assassinando. Além disso, a "expressão de muda aceitação da
vida", que define, segundo o próprio Modigliani, a alma de seus modelos,
pode não satisfazer a quem aprecia emoções mais fortes. Mas, essas mesmas
características fazem a singularidade e o encanto de sua obra.
Gypsi womam with a baby, 1919. National Gallery of Washington.
Women with black cravate, Modigliani.
É possível dizer da vida breve de Amedeo Modigliani que
tenha sido uma sucessão de caprichos, bebedeiras e derrotas. De misérias e de
tristezas. Muitos de seus contemporâneos o consideravam um boêmio conservador,
que buscava uma impossível reconciliação entre a tradição e a audácia. Enganaram-se. O verdadeiro Modigliani passou perto deles, quase invisível, como
um personagem de conto de fadas, que dissimula sua identidade como um príncipe
com roupa de vagabundo. Um príncipe que um dia escreveu: "A vida é um dom.
De poucos para muitos. Dos que sabem e possuem aos que nem sabem e nem
possuem".
Modigliani soube. Modigliani possuiu.
Modigliani trabalhando em seu estúdio, Paris.
Andy Garcia no papel de Amedeo Modigliani.